4 de fev. de 2010

Dentro de um mundo cúbico

Microlevantamentos de biodiversidade

Por Edward O. Wilson
Foto de David Liittschwager
Dentro de um mundo cúbico

Mais de mil formas de vida, nos mais variados tipos de ambiente, são possíveis dentro de um pé cúbico.

Quando enfiamos uma pá na terra ou arrancamos um pedaço de coral, agimos como deuses, recortando um mundo inteiro. Cruzamos uma fronteira oculta da qual muito poucos têm ideia. Ao alcance de nossas mãos, ao redor de nossos pés, está a parte menos explorada na superfície do planeta - o local mais crucial para a manutenção da vida humana.

Em qualquer hábitat, no solo, no dossel da floresta ou na água, nosso olhar é atraído primeiro para os animais maiores - ave, mamífero, peixe, borboleta. Mas aí, pouco a pouco, as criaturas menores, bem mais numerosas, começam a ocupar o centro de nossa atenção. Miríades de insetos arrastam-se e zunem entre a vegetação - vermes e outras criaturas irreconhecíveis que se contorcem ou disparam em busca de refúgio quando reviramos a terra do jardim para plantar algo. Quando levantamos uma pedra, há muito mais: aracnídeos e inúmeras outras pequenas criaturas desconhecidas de todo tipo se esgueiram entre camadas de fungos filamentosos. Minúsculos besouros fogem da luz repentina enquanto tatuzinhos se enrolam, formando bolas defensivas. Centopeias e lacraias se espremem nas frestas e nos buracos mais próximos.

Pode parecer que todo esse conjunto de criaturas nojentas, e os ambientes miniaturizados em que vivem, nada tenha a ver com as questões humanas. No entanto, os cientistas descobriram que exatamente o oposto é verdadeiro. Ao lado de bactérias e outros micro-organismos invisíveis que circulam e se estabelecem em torno dos grânulos minerais no solo, essa minúscula fauna é essencial para a vida na Terra.

O terreno que ela habita não é apenas uma matriz de terra e detritos. Todo o hábitat do solo está vivo: as criaturas criam todas as substâncias que circulam em torno dos grânulos inertes.

Se todos os organismos desaparecessem de qualquer um dos espaços cúbicos mostrados nas fotos, o ambiente ali logo se transformaria de maneira radical. As moléculas do solo ou do leito fluvial se tornariam menores e mais simples. Mudariam as proporções de oxigênio, dióxido de carbono e outros gases existentes no ar. De maneira geral, um novo equilíbrio físico seria alcançado, no qual o ambiente do cubo se assemelharia a um planeta remoto e estéril.

A Terra é o único planeta que tem uma bios-fera. Essa fina camada de vida é o nosso único lar, e apenas ela é capaz de manter o ambiente como é necessário para permanecermos vivos.

A maioria dos organismos da biosfera, e a imensa quantidade de suas espécies, vive na superfície do planeta ou logo abaixo dela. Através de seus corpos ocorrem os ciclos de reações químicas essenciais para a manutenção da vida. Com uma precisão que supera nossas tecnologias mais avançadas, algumas espécies digerem os restos de animais e plantas mortas que se acumulam no solo. Predadores e parasitas especializados devoram esses organismos e, por sua vez, servem de alimento a outros especialistas de padrão mais elevado. Todos eles, participando juntos de uma cadeia ininterrupta de nascimento e morte, devolvem às plantas os nutrientes necessários para que continuem fazendo a fotossíntese. Sem a ação adequada de todos esses elementos, a biosfera deixaria de existir.

Portanto, todos nós dependemos dessa biomassa e dessa biodiversidade, e isso abrange todos os insetos. No entanto, a despeito desse papel vital, a vida ao nível do solo permanece desconhecida, até mesmo para os cientistas. Por exemplo, já foram identificadas cerca de 60 mil espécies de fungos, incluindo cogumelos e bolores, mas os especialistas estimam que existam mais de 1,5 milhão de espécies desse tipo no planeta. Ao lado deles no solo prosperam alguns dos animais mais abundantes do mundo, os nematódeos, que são vermes cilíndricos. Eles incluem, entre muitas outras formas, os verminhos quase invisíveis encontrados por toda parte bem debaixo de nossos pés. Dezenas de milhares de espécies de nematódeos foram identificadas, mas a quantidade de todas elas pode ser da ordem de milhões. Tanto os fungos como os nematódeos, porém, são superados dramaticamente por organismos ainda menores. Em uma pitada de terra de jardim, pesando em torno de 1 grama, proliferam milhões de bactérias, de milhares de espécies - a maioria desconhecida.

As formigas, com mais de 12 mil espécies descritas em todo o mundo (e o grupo no qual me especializei como naturalista), estão entre os insetos mais bem estudados. Todavia, uma estimativa razoável seria a de que há, na realidade, o dobro ou mesmo o triplo de espécies. Em 2003, concluí uma pesquisa sobre as "formigas-cabeçudas" no hemisfério ocidental, um gênero (Pheidole) que inclui o maior número de espécies conhecidas e está entre as formigas mais abundantes. Ao término do estudo, após 18 anos de pesquisas intermitentes, consegui identificar 624 espécies. A maioria delas, 337, era novidade para os cientistas.

Descobri que uma das menores delas se alimenta de ácaros oribatídeos, que, em geral, são bem menores que as letras desta página e parecem uma mescla de aranha e tartaruga. Os oribatídeos estão entre as mais abundantes criaturas dessas dimensões no solo. Um desses cubos pode conter milhares de espécimes.

A vida ao nível do solo não é apenas uma mistura aleatória de espécies, uma confusão de fungos, bactérias, vermes, formigas e todo o resto. As espécies de cada grupo estão estratificadas de acordo com a profundidade. Quando passamos da superfície para as camadas inferiores, as condições do microambiente se alteram de modo gradual mas dramático. A cada polegada em que nos aprofundamos se notam mudanças na luz e na temperatura, no tamanho das cavidades, na química do ar, do solo e da água, no tipo de alimento disponível. A combinação dessas propriedades, até um padrão microscópico, é o que define o ecossistema da superfície. Cada espécie especializa-se de modo a sobreviver e melhor reproduzir-se em seu nicho.

Os estudos sobre o solo, em especial os da biologia no nível superficial, estão se tornando um dos principais ramos da ciência. Hoje as bactérias e outras formas de vida microscópicas podem ser facilmente identificadas pela decodificação de seu DNA. Os ciclos vitais de insetos e outros invertebrados estão sendo esmiuçados em pesquisas tanto de campo como de laboratório. Espécie após espécie, suas necessidades físicas e nutricionais estão sendo conhecidas. A Encyclopedia of Life
("Enciclopédia da Vida"; acessível em eol.org) vem reunindo informações, disponibilizando-as de graça.

Esse mundo de pequenas dimensões aguarda ser explorado. À medida que a fauna e a flora da superfície são examinadas com mais atenção, os mecanismos interligados da vida estão se delineando com detalhes cada vez maiores e mais surpreendentes. Com o tempo, vamos conseguir apreciar os magníficos ecossistemas minúsculos pelos quais devemos nos responsabilizar.

Fonte: National Geographic/Brasil

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