19 de jul. de 2010

A quem pertence o futuro ?



A questão ambiental já se tornou e se transformará cada vez mais no foco da disputa central de modelos de sociedade, tomada em escala global. Temos, em primeiro lugar, o esforço de manutenção do atual capitalismo predatório das finanças globais, da economia do petróleo, do carvão e do automóvel, do consumo desenfreado, etc.

É o modelo Bush, hegemônico entre os setores dominantes nos grandes atores estatais do planeta (EUA, China, Rússia e Índia, embora de forma um pouco mais cautelosa na Europa e no Japão), que está impulsionando a degradação do planeta e produzindo imensos custos ecológicos e humanos - que manterão, no fundamental, seu rumo inalterados no futuro próximo. Em todos estes casos, o poder estatal é controlado por classes capitalistas e elites políticas solidamente comprometidas com a globalização neoliberal e hoje ainda relativamente solidárias entre si. Isso que deu base para que Leslie Skair falasse da formação de uma classe capitalista transnacional, que podemos, simbolicamente, chamar de a classe de Davos. Há hoje, de fato, a convergência de interesses de um bloco social heterogêneo, mas solidamente instalado no poder, o capital financeiro, mas também uma série de ramos industriais - o complexo petróleoautomóvel, a petroquímica, o papel e a celulose, as mineradoras, a agro-indústria, o complexo industrial-militar -, comprometido não só com a manutenção do modelo neoliberal, mas, mais ainda, com o modelo norte-americano, cujos tentáculos se espraiam por todo o planeta. É bastante significativo que a opção das classes dominantes da China e Índia seja por estender o modelo de consumo norte-americano para uma parcela de sua população, o que agrega um explosivo elemento suplementar de crise planetária, além de ampliar enormemente os custos sociais para suas populações. E que mesmo o reerguimento da Rússia esteja se dando como fornecedora de energia e insumos para a Europa.

No extremo oposto temos, pelo menos teoricamente, as correntes da "ecologia
profunda", que propõe o retorno a um passado pré-industrial - indo de variantes
românticas, com a volta à vida em pequenas comunidades, às anti-humanistas, que
tratam nossa espécie como uma infecção da Terra, que tem que ser debelada, ainda que com a eliminação do vírus. Politicamente marginais, elas tem, todavia, peso no
movimento ambientalista.

Mas temos também uma terceira alternativa, a reforma dentro do sistema, um
capitalismo sustentável, baseado em uma matriz de energias renováveis e em um
continuo desenvolvimento tecnológico impulsionado pela informática. Al Gore batizou sua proposta, uma das variantes deste projeto, de the energy electronet, por analogia à internet, pela qual o suprimento global de energia, baseadas em muitas pequenas fontes alternativas, é gerenciado por grades flexíveis e inteligentes de distribuição de eletricidade. Este projeto pode ser concebido com rupturas maiores ou menores com o consumismo atual (por exemplo, com ênfases maiores ou menores nos serviços de saúde, cultura, etc, maiores ou menores no consumo de bugigangas, carros, etc).

Talvez esta combinação de tecnologias e interesses se torne factível para ser difundida em escala global em algumas décadas, mas na atualidade a proposta de um capitalismo limpo só poderá se impor - globalmente - a partir da perda da centralidade dos ramos hoje dominantes na economia mundial. Como reverter a direção do surto industrialista atual da China, por exemplo? Isso significa, para usar uma metáfora schumpeteriana, uma gigantesca vaga de "destruição criativa" no capitalismo, com crises econômicas, desemprego ainda maior, crescimento do protecionismo e todas as loucuras que acompanham estas crises (guerras, xenofobias, etc).

Temos ainda uma última possibilidade, a mudança de modelo no sentido de uma
sociedade pós-capitalista, pós-industrial e pós-consumista, a partir de uma ampla
desmercantilização do mundo - retomando a tradição dos projetos socialistas e
trabalhando contradições que podem ter um papel cada vez mais decisivo no
capitalismo global. Mas para isso, esse projeto tem que ser capaz de competir com a
"proposta Al Gore". Ou seja, tem que ser uma alternativa não só para os excluídos, mas uma proposta atrativa também para amplos setores afluentes sensíveis às questões ambientais, de qualidade de vida e do acesso ao conhecimento, nos países centrais e em alguns pólos da periferia. Sua construção só pode ser o resultado de uma aliança entre as massas pauperizadas e os trabalhadores, de um lado, e amplas parcelas das classes médias, de outro; entre parcelas das populações dos países periféricos, de um lado, e parcelas das populações dos países centrais, de outro. É um projeto factível a partir da apropriação, sob outras bases, da revolução tecnológica em curso, com o dinamismo de uma sociedade sustentável se apoiando na educação, saúde, arte, cultura, esporte, cuidado com a natureza, pesquisa científica voltada para estas finalidades. E uma substancial redução da jornada de trabalho - de modo que essas atividades possam ser,  em boa medida, desenvolvidas como atividades livres e trabalhos não remunerados compartilhados. Isto é, para usar uma linguagem de Marcuse em Eros e civilização, de um modo de vida baseado não no princípio do desempenho, mas no da gratificação, do cuidado, do gozo, do lúdico.

FONTE:
A vingança de gaia.pdf
José Correa Leite



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