10 de abr. de 2010

Os 12 mandamentos do médico do S.U.S.

Um dia desses recebi um e-mail de uma grande amiga que me falava sobre os dez mandamentos do médico do SUS. Você já deve ter recebido esse e-mail. Já passou pela minha caixa de entrada "n" vezes. Dizia o seguinte:


















































Aí eu fiquei me perguntando porque que era do médico do SUS... e não dos médicos em geral. E me questionei do imaginário que isso poderia criar em quem visse esse e-mail.
Logo, decidi responder:

"Vim defender meu campo de trabalho e estudo – o SUS! Não que eu tenha me sentido ofendido, longe disso... dei boas risadas.
Mas acho que algumas idéias podem ser colocadas para nossa reflexão nessa oportunidade.
Começo por dizer que esses “mandamentos” podem sim se encaixar no perfil de muitos médicos e enfermeiros (como envolve a prescrição de medicamentos esse e-mail se restringe ao campo médico), mas, todo profissional da saúde que não saiba o que fazer em determinadas "horas" pode se identificar aí, não é mesmo? A questão é que não se trata de uma característica exclusiva de profissionais do Sistema Único de Saúde – SUS - é uma característica presente em todo campo da saúde no caso de profissionais que não se comprometem com o trabalho, no sistema público ou no privado.
Venho de uma formação voltada inteiramente para preparar profissionais com perfil de atuação no SUS e de capacidade de agir criticamente e melhorar seu local de trabalho, na intenção de defender o direito social à saúde, e assim, à vida. Minha segunda casa durante essa formação foi o Hospital Universitário Júlio Muller (SUS, portanto). Já estive trabalhando em duas instituições privadas com interesses particulares e comerciais logo que me formei e, nesse sentido, tenho vivência dos dois lados do muro (público e privado).
Uma experiência em particular me marcou quando, durante um plantão na instituição privada, perguntei a um acadêmico de medicina por que ele prescrevia determinada pomada para um paciente que estava com uma ferida grande na perna, a resposta que obtive: “Não sei”. Eu havia perguntado porque, após avaliar a ferida percebi que a “papaína à 10%” seria mais adequada ao tratamento do que a “sulfadiazina de prata” que ele prescreveu por semanas sem resultado nenhuma de melhora. Lembra os mandamentos do e-mail não é verdade (rs) e fora do SUS? 
Sem generalizações, pois pessoas comprometidas com o cuidado bem realizado há em todos os locais. Assim como os não comprometidos. 
O que diferencia os médicos do privado e do público em sua formação? Exatamente a experiência do serviço público enriquecedora de sentidos na área da saúde, por tratar com pessoas e famílias que além de depender do serviço público para terem acesso aos cuidados em saúde, elas dependem desse mesmo tipo de serviço para terem educação, habitação, renda, saneamento, etc. Muitos passaram pela experiência e se prepararam para seres formuladores de boas práticas, de tentativa de um atendimento integral, equitativo, e lutarão para manter esse direito de todo cidadão brasileiro que está em nossa Constituição de 1988: saúde é direito de todos e dever do Estado (Lei 8080/90). E para que o Estado dê conta de cumprir com esse dever (que não é pouca coisa, dar saúde para TODOS, aff....!) criou as instituições públicas de saúde, o SUS, e teve que contar conosco, profissionais da área da saúde competentes para atuar nesse campo.
Quantos profissionais estão dentro desse sistema tentando fazer o melhor por aqueles que contam (apenas) com esses serviços como única garantia de ter acesso à cuidados em saúde. 
Convenhamos que “serviços-vitrines” não são encontrados dentro do consultório médico de paredes mofadas, cadeiras, mesas e macas enferrujadas, e sem equipamentos necessários - por conta da corrupção das políticas públicas que afeta nosso país e a saúde também – para o atendimento no SUS. E os profissionais não vão manter seu status quo atendendo, por exemplo, o Sr. “João” que veio lá de do interior tratar do pé diabético dele aqui, porque não tinha serviço estruturado para isso lá e ele não podia pagar serviço particular, e vai ficar aqui internado por meses sem ter a família por perto, com um acompanhante dormindo em cadeira de fio (quando tem). Mas ainda bem que o Sr. João tem acesso a esse tipo de serviço pelo SUS, afinal é direito dele.
Faço assim, um grande convite então para que nós, eternos estudantes da área da saúde, que atuaremos no cuidado ao outro (seja ele pago ou não):
Se não sabe o que tem, realize uma semiologia melhor e peça exames adequados, não prescreva sem saber o que tratar.
Se não sabe o que viu, pergunte para alguém uma segunda opinião.
Apertou a barriga e fez “ahh”, um processo inflamatório talvez? Apendicite? Endometriose? Úlcera gástrica? Cirrose? Investigue melhor, talvez uma USG.
Caiu e passou mal, ajude a levantar primeiro, depois verifique o motivo do desconforto.
Tá com uma dor bem grandona? Atue com atenção e de prioridade no atendimento, amenize o sofrimento se possível.
Se você não sabe o que é bom, volte aos estudos, pergunte a alguém mais experiente.
Vomitou tudo que ingeriu? Investigue a causa.
Se a pressão subiu, pergunte qual o tratamento anti-hipertensivo, a que horas tomou o ultimo remédio, medique se for o caso, mas lembre a pessoa e família que os problemas dela continuarão e que precisarão ter mecanismos de apoio e sustentação para auxiliar no cuidado da hipertensão.
Pelo sim, pelo não, vamos estudar e trabalhar nossas más inclinações, afinal sendo pessoas melhores, seremos melhores profissionais também. 
Lembrem-se de David Capistrano quando ele dizia“Temos uma grande dívida com os necessitados, eles têm pressa...”

Obrigado!"

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