A
sociedade industrial permitiu que milhões de pessoas agissem
somente com o corpo, mas não lhes deixou a liberdade para
expressar-se com a mente.
Na
realidade, a sociedade industrial não só fez com que, para muitos,
se tornasse inútil o cérebro como também fez com que somente
algumas partes do corpo fossem utilizadas. Isto era diferente da
sociedade rural na qual o camponês, para usar a enxada ou a pá,
assim como o pescador para pescar, além de utilizar o corpo
inteiro, usava talvez um pouco mais o cérebro.
Mais
ou menos na metade do século XVIII nasce um novo movimento, o
racionalismo, que confia na razão humana para a solução dos
problemas, em contraposição a soluções através de um enfoque
emotivo, religioso ou fatalista.
Nasce
daquela mistura de cientificismo, racionalismo, ironia e auto-ironia
que fez do séc. XVIII o “século das luzes”.
Indispensáveis
a esta revolução serão as descobertas da eletricidade, da máquina
a vapor e da organização taylorista, mas também a primazia da
razão. O homem descobre que grande parte dos problemas
tradicionalmente resolvidos de modo religioso ou fatalista podem, ao
contrário, ser administrado racionalmente: seja o medo do temporal
e do raio, seja a carestia, seja a ditadura.
A
consciência de que foi toda sociedade que mudou só aflora, aqui e
acolá, em torno de 1850. É então que se começa a falar não mais
somente de indústrias, mas de “sociedade industrial”, e
percebe-se a globalidade da mudança de época que acabou de
acontecer.
A
sociedade pós-industrial oferece uma nova liberdade: depois do
corpo, liberta a alma.
Na
sociedade industrial, o poder dependia da posse dos meios de
produção (fábricas). Na sociedade pós-industrial, o poder
depende da posse dos meios de ideação (laboratórios) e de
informação (comunicação de massa).
Foi
a indústria que separou o lar do trabalho, a vida das mulheres da
vida dos homens, o cansaço da diversão. Foi com o advento da
indústria que o trabalho assumiu uma importância desproporcionada,
tornando-se a categoria dominante na vida humana, em relação à
qual qualquer outra coisa – família, estudo, tempo livre -
permaneceu subordinada.
“Aquele
que é mestre na arte de viver faz pouca distinção entre o seu
trabalho e o seu tempo livre, entre a sua educação e a sua
recreação, entre o seu amor e a sua religião. Distingue uma coisa
da outra com dificuldade. Almeja, simplesmente, a excelência em
qualquer coisa que faça, deixando aos demais a tarefa de decidir se
está trabalhando ou se divertindo.” (Pensamento Zen)
Portanto,
toda organização, grande ou pequena, tende a ser conservadora,
sofre de compulsão a repetição. Os otimistas veem nesse processo
uma manifestação da learning organization. Eu vejo uma resistência
às mudanças.
Estamos
mais habituados a assistir a uma passeata dos trabalhadores do que a
uma passeata de senhores bem de vida ou de empresários.
A
maior exploração ainda diz respeito à matéria-prima. Quando a
matéria-prima era o cobre, explorar significava compra-lo a baixo
custo. Se é o trabalho, significa pagar pouco pelos braços que se
compram. Se são ideias significa se apropriar dos frutos da
criatividade dos outros ou ainda impedir que eles amadureçam.[...]
É o que fazem, predominantemente, as empresas: mantém milhões de
pessoas num regime de baixo nível das ideias, utilizam só as suas
capacidades executivas, fazendo com que se envolvam de uma tal
maneira com a burocracia, que elas acabam perdendo a capacidade de
inventar e se tornam outros robôs.
É
preciso não impedir o progresso, mas geri-lo de forma a criar uma
felicidade mais difundida.
Por
milhares de anos, a aristocracia social distinguia-se não pelo que
fazia, mas pelo que não fazia. Quem pertencia à nobreza não devia
trabalhar: para isso existiam os servos e empregados. Nós estamos
atravessando uma passagem de época, da atividade física à
atividade intelectual. Isto é, de um mundo explorado, bem
conhecido, a um mundo do qual sabemos pouquíssimo.
Os
etnólogos dizem que quando os peixinhos vermelhos, depois de passar
meses num aquário, são liberados em pleno mar, continuam ainda por
um certo tempo a nadar em círculos, como se estivessem dentro do
aquário. Os seres humanos trabalham por duzentos anos dentro de uma
fábrica ou dentro de um escritório e agem como se ainda estivessem
ali, não saem nem mesmo quando a parede de vidro não existe mais.
Ociar
não significa não pensar, Significa não pensar regras
obrigatórias, não ser assediado pelo cronômetro, não obedecer
aos percursos da racionalidade e todas aquelas coisas que Ford e
Taylor tinham inventado para bitolar o trabalho executivo e torná-lo
eficiente.
Foi
uma cena do filme Beldades
no Banho que
surgiu a Crick e Watson a hipótese de que a hélice do DNA pudesse
ser dupla. Se não gostassem de cinema, talvez tivessem levado muito
mais tempo para descobrir a estrutura tão pesquisada. [...] As
intuições surgem de exatamente de hibridizações de mundos
diversos.
Todas
as organizações que atualmente produzem bens de serviço e
informação são filhas da velha indústria de manufaturas que
durante duzentos anos administrou o exército de analfabetos que
assumiram tarefas repetitivas. Agora se tenta fazer a mesma coisa
com os diplomados e graduados.
Uma
sociedade é democrática quando os governados podem escolher seus
governantes. Mas as empresas, por definição, são hierárquicas,
piramidais e autoritárias: seus chefes não são eleitos pela base,
mas nomeados pelo topo.
As
duas bases fundamentais que todas as pedagogias adotaram até o
momento, no mundo industrial, foram a do trabalho como dever
e uma ética
utilitarista,
como base para o comportamento. Sob esta ótica, Leão XIII, Taylor
e Ford têm muito mais afinidades entre si do que se poderia supor à
primeira vista.
Hoje,
é claro que a necessidade de oferecer aos jovens uma formação
ética permanece intacta, mas o princípio utilitarista de uma
competitividade destrutiva deveria dar lugar a um princípio baseado
na solidariedade de estímulos criativos.
Os
burocratas têm medo da inovação, os criativos têm medo do
imobilismo. As duas posições serão cada vez mais inconciliáveis.
Mas vencerão os criativos, porque a sociedade pós-industrial se
alimenta de invenções, não tem outra saída, premia a iniciativa
e joga fora do mercado o imobilismo.
O
engenheiro Taylor e o engenheiro Ford tinham como dependentes
diretos esquadrões de operários analfabetos. Hoje, pelo contrário,
graças à escolarização, o subalterno de um engenheiro é outro
engenheiro, às vezes mais atualizado e ágil.
A
forma piramidal das organizações sempre constituiu um incitamento
a comportamentos ditados pela competição implacável, já que nos
níveis superiores a oferta de cargos é sempre menor que nos
inferiores: os que desejam subir devem acotovelar, passar rasteiras,
armar ciladas para eliminar o adversário custe o que custar.
A
sociedade pós-industrial, pelo contrário, é menos ligada à
agressividade, porque sua estrutura tem a forma de uma rede, com um
número potencialmente infinito de nós e malhas. A sua organização
pode se expandir como um rizoma e as relações dela decorrentes são
bem mais paritárias do que hierárquicas.
Simplificar
significa separar artificialmente, em qualquer sistema, as
estruturas das funções, sem levar em conta a recíproca
interferência entre elas. Significa limitar-se a observar só a
continuidade dos fluxos e a sequência das várias fases. Já
acolher e apreciar a complexidade significa, ao contrário, aceitar
o seu caráter mesclado, incongruente e descontínuo, valorizando
todos esses elementos e considerando-os de um nível superior aos
que eram utilizados durante o paradigma industrial.
A
criatividade é, ao mesmo tempo, heteropoiese e autopoiese: isto
significa que adquiro materiais dos outros (heteropoiese), mas os
reelaboro dentro da minha mente até chegar a uma visão nova
(autopoiese).
...
há uma tal interação contínua de ideias, linguagens, informações
e experiências que já não é possível saber se uma ideia é
nossa ou se a escutamos de alguém. Nós “cuidamos” das nossas
ideias, as “produzimos” como se produz um filme ou espetáculo,
mas nossas ideias não são um produto só da nossa mente, e
portanto não são “nossas”.
...
a escolha de uma faculdade universitária que prepara para a vida é
mais sábia do que a escolha de uma faculdade que prepara para a
profissão. O que conta não é o estresse da carreira, mas a
serenidade da sabedoria.
Em
nenhum outro pais do mundo a sensualidade, a oralidade, a alegria e
a “inclusividade” conseguem conviver numa síntese tão
incandescente. ”Um povo mestiço, cordial, civilizado, pobre e
sensível habita esta paisagem de sonho”, insiste Jorge Amado.
É
este o lugar: é no Brasil, neste país tão puro e tão
contaminado, que eu gostaria de alimentar o meu ócio criativo.
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