As quatro estacões
Primavera – Suavidade da Inocência
Primavera na vida é manhã de domingo cheia de pureza, em que repicam os sinos da inocência. Folguedos ingênuos, correrias no campo. Travessuras nas árvores. Meninas pulando corda à brisa de setembro. Entardecer suave e perfumado, em que uma canção de roda diz até logo para o sol, boa noite para as estrelas.
Na primavera há, como nas crianças, uma graça que desperta saudades. Saudades da inocência.
A primavera é um eco cheio de frescor da manhã primeira, que Deus faz renascer todos os anos para nos avivar a saudade de nossa infância. Em cada primavera é possível voltar a ser criança. É possível voltar a ter felicidade de rever o azul de nosso céu de menino, sentir de novo a carícia do vento em nossa face, de ficar alegre por nada. Porque a felicidade consiste em ver tudo com olhos encantados, em ter, pela graça de Deus, uma eterna primavera.
É possível voltar a ser criança. É possível voltar a ter Deus na alma após ter-se afastado dele. Recuperar a graça. Retornar à primavera...
Verão – Contraste da Juventude
Manhãs ensolaradas de brilho ofuscante e de sombras nítidas. Nuvens brancas navegando no céu azul. Cigarras entoando seu canto pachorrento no mormaço do mato. Som distante do bater de roupas e do canto das lavadeiras no tanque. De vez em quando, ecos de um riso claro, carro de boi gemendo na estrada abrasada.
Sol ardente no silêncio denso do meio-dia.
Sesta sonolenta à sombra das varadas, ao lento balanço da rede e das verdes samambaias preguiçosas. Zumbido adormecedor de insetos no ar parado e opressivo.
Nuvens amontoadas barrocamente, ameaçadoras. Trovadas longínquas tonitroando além dos morros. Um raio que estala. Chuvarada na terra fofa.
Enxurrada cantarolante pelas ladeiras. Cheiro quente e forte de terra molhada. Folhas verdes gotejando bagas cristalinas. Brisas refrescantes de fim de tarde balouçando uma flor junto à cerca da estrada.
Crepúsculos de fogo saudados pelo farfalhar de palmeiras. Badaladas brancas e lentas de um sino na capelinha distante.
Anoitecer.
No brejo, sapos e pererecas em sua eterna discussão de feira. Escondida no silêncio perfumado da noite escura, a serenata dos grilos para a "dama da noite".
Negras noites de veludo negro, em que nos jasmins os vaga-lumes fazem passear as estrelas.
Assim é o verão. Todo contraste. Sol abrasador e brisas de doçura. Dias ofuscantes. Noites profundas. Vida, entusiasmo e força. Manhãs claras e tardes de tempestades. Nuvens negras e arco-íris coloridos.
Assim é o verão. Assim é a juventude.
Outono – Triunfo da Grandeza
Se a primavera tem sabor e o perfume da infância, se o verão tem a força e os ardores da juventude, o outono tem a glória e o ouro da maturidade. Outono é a apoteose da cor. É o triunfo da grandeza.
Nele as árvores executam um grande coral, em que as cores, como vozes, estendem-se do vermelho ao dourado, da glória à nobreza. Do amarelo pálido, ao rubro, não há matriz que não possa ser visto. Uma árvore tem um amarelo suave, outra parece arder em fogo, outra ainda se veste de um manto de ouro velho.
E assim como nos céus não há dois anjos iguais, assim como não há um homem igual ao outro, também nos bosques de outono duas árvores não têm a mesma cor. E como Deus dá a cada homem uma de suas virtudes para espelhar, assim também o sol, antes de partir, no outono, nesse crepúsculo do tempo, deixa suas cores, uma para cada árvore, nenhuma igual à outra. Para cada alma, um amor. Para cada árvore, uma cor.
Nesta fase do ano, Deus reveste a terra com as cores e as glórias do manto do crepúsculo, pondo o fogo de sua grandeza nas florestas outonais.
Inverno – A Glória do Holocausto
Depois vem o inverno. Árvores desfolhadas estendendo seus ramos despojados na paisagem cinzenta. Elas perderam suas folhas e seus frutos, sua beleza e sua riqueza. Ficam solitárias, aparentemente estéreis e mortas. Elas renunciaram à maravilha de suas folhagens e à fecundidade de seus frutos, e o vento já não canta em suas ramagens.
São como velhos que perderam a beleza e o vigor, que compreenderam que tudo passa e que só o dever cumprido tem valor. Velhos que sorriem, um sorriso enrugado, para as crianças que saltitam barulhentas e carinhosas em torno deles. Sorriem para a nova primavera que renasce.
As árvores de inverno são ainda como monges silenciosos e castos. Elas são imagens mudas do voto de pobreza e de castidade. E, por isto, porque elas são pobres e castas, e mortas a si mesma, Deus as recobre com um manto de pureza. Manto de neve, pureza que suave e silenciosamente desce dos céus como recompensa da pobreza e da castidade, como prêmio do holocausto. Manto de glória que as árvores humildemente deixam repousar no chão, a seus pés, enquanto proclamam e exaltam o nada de seus galhos erguidos e vazios.
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