Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia. Sem que isso signifique a “vulgarização” do idioma, mas apenas sua maior aproximação com a gente simples das ruas e dos escritórios, seus sentimentos, suas emoções, seu jeito, sua índole.
“Pra caralho”, por exemplo. Qual a expressão traduz melhor a idéia de quantidade do que “pra caralho” ? …
“Pra caralho” tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A via-láctea tem estrelas pra caralho, o sol é quente pra caralho, o universo é antigo pra caralho …
No gênero do “pra caralho”, mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso “nem fodendo !”. O “Não, não e não” e tampouco nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade “não absolutamente não !” o substituem. O “nem fodendo” é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro para ir surfar no litoral ? Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo “Marquinhos, presta atenção, filho querido, NEM FODENDO !“ O impertinente se manca na hora e vai pro shopping se encontrar com a turma e você fecha os olhos e volta a curtir se CD numa boa.
Por sua vez o “porra nenhuma !” atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a bravata daquele chefe idiota senão com um “é PhD, porra nenhuma”, ou “redigiu o relatório sozinho, porra nenhuma”, como pode se ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha. São dessa mesma gênese os clássicos “aspone”, “repone” e, mais recentemente, o “prepone” – presidente de porra nenhuma.
Há outros palavrões igualmente clássicos. Pense na sonoridade de um “Pu-ta-que-pa-riu !”, falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba… Diante de uma notícia irritante qualquer, um “puta-que-o-pariu !” dito assim te coloca outra vez no eixo. Teus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou te safar de maiores dores de cabeça.
E o que dizer do nosso famoso “Vai tomar no Cu !” ? E sua maravilhosa e reforçada derivação “ Vai tomar no olho do seu Cu !”.
Você já imaginou o bem que alguém faz a si mesmo e aos seus quando, passado o limite do suportável, você solta um sonoro: “Chega ! Vai tomar no Cu !”. Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima, desabotoa a camisa e sais ‘a rua, vento batendo na face, olha firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor intimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português vulgar: “Fodeu !”. E sua derivação mais avassaladora ainda: “ Fodeu de vez !”. Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação ? Expressão, inclusive, que uma vez proferida, insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo meio bêbado, sem os documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de policia atrás de você mandando você parar: O que você fala ? “Fodeu !” Sem contar que o nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional ‘a quantidade de “foda-se !” que se fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do “foda-se !” ? O “foda-se !” também aumenta sua auto-estima, o torna uma pessoa melhor. Reorganiza as coisas, te liberta…”Não quer dar pra mim ? Então foda-se !” …”Vai querer decidir essa merda sozinha ? Então foda-se !”
Deveria estar assegurado na constituição: Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se.
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